O movimento da economia solidária e suas possibilidades de enfrentamento da atual crise econômica e social

Carla Leal e Vitor Alexandre de Moraes

Na coluna de hoje falaremos sobre o movimento de economia solidária, que visa a superação da desigualdade socioeconômica através da geração de emprego e renda, partindo de um modelo que investe na solidariedade, cooperação, autogestão, sustentabilidade, responsabilidade social, participação e igualitarismo dos seus membros, o que se torna relevante alternativa para o enfrentamento do momento de crise sistêmica mundial e nacional, advinda da pandemia da COVID-19 e de outras situações. Sabemos que o Brasil possui um quadro grave de desemprego estrutural, com 11,9 milhões de desempregados (PNAD, 2022) e uma taxa de mais de 40% da população ocupada na economia informal (PNAD, 2022). Isso é resultado de políticas públicas governamentais que enfatizam o desenvolvimento econômico de modo dissociado da dimensão social, sendo uma delas a promoção de reformas na legislação trabalhista que fomentam a substituição do trabalho assalariado pelo por conta própria, o qual já representa taxa de 26,5% da população ocupada (PNAD, 2022), assim como reduzem os direitos dos trabalhadores. Com a diminuição dos direitos trabalhistas e o desemprego, há a queda da renda e a impossibilidade de consumo básico, gerando aumento da fome. De acordo com o inquérito da VIGISAM (OXFAM Brasil, 2022), temos quase 60% da população em situação de insegurança alimentar. O país voltou aos patamares dos anos 1990. O empreender solidariamente ocorre por meio de grupos informais, associações, ou cooperativas, que criam sistemas locais e se dedicam à produção de bens, à prestação de serviços, à comercialização de produtos e ao fomento ao crédito. Surge muitas vezes como única alternativa que mobiliza trabalhadores e trabalhadoras excluídos do mercado de trabalho, dentre eles os demitidos que dispõem de parcos recursos de verbas rescisórias, informais e autônomos, que veem na união de forças possibilidade viável à construção de um meio de subsistência, partilhando de interesses e objetivos comuns, dividindo os riscos e ganhos do empreendimento, a partir de esforços conjuntos e da propriedade partilhada daquela atividade econômica a ser desenvolvida. De acordo levantamento do então Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), hoje Ministério do Trabalho e Previdência, o Brasil possuía, em 2014, 19.708 empreendimentos de economia solidária em mais de 2.804 municípios, com estimativas que movimentavam, por ano, aproximadamente 12 bilhões de reais, um potencial pouco explorado que, se expandido, pode ajudar milhares de brasileiros a superarem o desemprego e saírem da linha da pobreza. Apesar de a Constituição de 1988 preconizar em seu art. 174, § 2º, que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo, verificamos, na prática, uma ausência de uma política pública contínua voltada ao seu fomento, visando, dentre outras coisas, a adequação do tratamento tributário que possibilite diminuir assimetria de condições de concorrência no mercado para empreendimentos cooperativos; a redução das limitações legais das associações para realizarem atividades comerciais e a superação das dificuldades que os grupos informais têm para acessar as linhas de financiamentos de bancos privados e públicos e de a programas governamentais, em especial aquelas resultantes da inexistência de garantias reais para os financiamentos. Além disso, tramita desde 2012, ou seja, quase 10 anos, o Projeto de Lei (PL) 4.685/2012 que dispõe, dentre outros tópicos, acerca da Política Nacional de Economia Solidária e dos empreendimentos econômicos solidários, criando o Sistema Nacional de Economia Solidária. O PL visa que sejam formuladas e implementadas políticas, planos, programas e ações com vistas ao fomento da economia solidária. Essa pendência de regulamentação e a descontinuidade das políticas públicas implementadas no antigo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria Nacional da Economia Solidária, torna o futuro do tema incerto, muito embora a economia solidária seja importantíssima para a geração de riqueza e de desenvolvimento da economia familiar e redução da desigualdade econômica. Enquanto isso, nossa população continua a passar fome.

Carla Leal e Vitor Alexandre de Moraes são membros do Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do Trabalho da UFMT, o GPMAT.

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