Assédio sexual: fruto do preconceito e da discriminação de gênero

Carla Reita Faria Leal*

Evandro Monezi Benevides*

Não é de hoje que a discriminação de gênero nas relações de trabalho é objeto de debate. A segregação de gênero no mercado de trabalho, aprimorada principalmente durante o período industrial, levou a uma naturalização da divisão sexual do trabalho, delimitando-se o que poderia ou não ser “trabalho de mulher”. Trata-se de um processo histórico e cultural complexo que hoje reverte-se em discriminação e violência dentro do mercado de trabalho. Como pontua Bárbara Ferrito, em sua obra “Direito e desigualdade”, dentro do meio ambiente de trabalho, ideias de que mulheres são objetos, inferiores cognitivamente em relação aos homens, incapazes de opinarem sobre assuntos relevantes, dentre outras concepções sexistas, devem ser encaradas como micro agressões, que reforçam estereótipos e preconceitos em relação às mulheres. Um claro exemplo de comportamento machista e sexista, o qual, não raras vezes, culmina em assédio sexual, são os elogios dirigidos às mulheres em ambiente de trabalho, geralmente relacionados aos seus atributos físicos. Comportamentos naturalizados que contribuem para a violência e para o agravamento da divisão sexual do trabalho. No mês de maio desse ano, por exemplo, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou o recurso da empresa Americanas S.A. em um caso de assédio sexual, no qual a trabalhadora teve que conviver por anos com investidas e até contatos físicos sem consentimento por parte de um superior hierárquico. Mesmo fazendo denúncias do agressor, a empresa manteve-se inerte. Inclusive a omissão da empresa, diante das denúncias da empregada, foi o fundamento para a condenação em R$ 50 mil em reparação pelo dano moral sofrido. Vale lembrar que o assédio sexual é definido pelo artigo 216-A do Código Penal, como o ato de “constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Assim, além da prática de resultar em punição na esfera criminal, também pode gerar o dever de indenizar no âmbito da relação de emprego. No caso julgado pelo TST, o que chamou atenção foi a conexão feita pelo Ministro Relator, Mauricio Godinho Delgado, entre o assédio sexual e a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Segundo o Ministro, “a diferença de tratamento de gênero ainda é uma lamentável realidade no Brasil, que gera elevado nível de tolerância a certos tipos de violência contra a mulher, caso do assédio sexual”. Além disso, Godinho asseverou que “a relação de trabalho, diante da assimetria de poder a ela inerente, mostra-se, infelizmente, como campo fértil à repercussão nociva da desigualdade estrutural de gênero”. Muito embora já exista previsão constitucional e infraconstitucional que garanta o tratamento igualitário entre homens e mulheres nas relações de trabalho, a realidade vivida por parcela significativa das trabalhadoras é de desigualdade, iniciando pela desigualdade salarial. Tanto é assim que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) n.º 1085/2023, de iniciativa do Governo Lula, que prevê mecanismos de equiparação salarial entre homens e mulheres. O preconceito contra as mulheres também reforça o contexto de desigualdade no trabalho. Tanto que um estudo divulgado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que 90% da população mundial (de ambos os sexos) tem algum tipo de preconceito em relação às mulheres. No Brasil, apenas 15,5% dos brasileiros afirmaram não terem preconceitos contra as mulheres. Desse modo, não há dúvidas de que a cultura da discriminação de gênero nas relações laborais, que historicamente impediu e ainda impede mulheres de alcançarem postos de comando e de se destacarem profissionalmente, tem intrínseca relação com a violência sexual sofrida por elas no ambiente de trabalho, que se materializa através do assédio sexual. Logo, não é possível eliminar o assédio sexual sem, antes, combater rigorosamente o que nutre essa prática criminosa: a discriminação e o preconceito contra as mulheres no ambiente de trabalho, que, por sua vez, passa necessariamente pela mudança cultural em relação ao papel das mulheres na sociedade.
É preciso cortar o mal pela raiz.

*Carla Reita Faria Leal e Evandro Monezi Benevides são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.

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