A Lei n.º 14.611/2023: um passo importante na busca da igualdade salarial entre homens e mulheres

Carla Reita Leal Antônio Raul Veloso de Alencar

Recentemente foi publicada a Lei n.º 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres no ambiente laboral, um importante avanço no mundo do trabalho. A previsão de que não haja discriminação de gênero no trabalho está presente de maneira ampla em diversas partes da Constituição da República, desde o artigo 5º, caput, que dispõe serem todos iguais perante a lei; até o artigo 7º, inciso XXX, que trata da proibição de diferença salarial, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. A CLT, por sua vez, em seu artigo 461, dispõe que as empresas devem pagar o mesmo salário independentemente do “sexo” dos trabalhadores se as funções que estes exercerem forem idênticas. Essa exigência foi reforçada pela Lei n.º 14.457 de 2022, ao mencionar, em seu artigo 30, que “às mulheres empregadas é garantido igual salário em relação aos empregados [homens] que exerçam idêntica função prestada ao mesmo empregador”. Na prática, no entanto, essas obrigações são com frequência descumpridas. Dados do IBGE mostram que as mulheres ganham, em média, 77,7% do salário dos homens, apesar de a população feminina ter um nível educacional mais alto. Quando são considerados apenas os cargos de gerência, diretoria e outros cargos de maior remuneração, a diferença é ainda maior — as mulheres ocupantes desses cargos chegam a receber pouco mais da metade, isto é, 61,9% daquilo que auferem seus pares do sexo masculino. A legislação até então existente, muito embora determine a obrigação de que os salários de homens e mulheres sejam iguais, era bastante genérica e carecia de medidas para sua concretização. A única forma de que essas exigências se materializassem era se o assunto fosse tratado em uma ação trabalhista. Assim, empresas que descumpriam a regra, frequentemente, só sofriam algum tipo de prejuízo se a trabalhadora lesada ingressasse com uma ação trabalhista, o que nem sempre ocorria, fosse por dificuldades no acesso à Justiça, fosse por medo dos impactos negativos que a ação pudesse ocasionar em sua reputação no mercado de trabalho. O cenário, no entanto, apresentou algumas mudanças positivas. Com o advento da Lei n.º 14.611, de 03 de julho de 2023, a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens passou a ser garantida a partir das seguintes medidas impostas ao Poder Público e à Coletividade:

I – o estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios entre os trabalhadores de ambos os sexos;

II – o incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios no âmbito laboral;

III – a disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;

IV – a promoção e a implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade de mulheres e homens no mercado de trabalho, com aferição de resultados;

e V – o fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Além disso, a partir de agora tornou-se obrigatório às empresas com 100 (cem) ou mais empregados a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios que deverão conter dados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens. Essas informações deverão ser acompanhadas de elementos que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, sem se descuidar, por óbvio, da legislação de proteção de dados pessoais. Por outro lado, caso identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, o empregador deverá apresentar e implementar plano de ação para mitigar essa desigualdade, estabelecendo metas e prazos para a solução da questão, com a garantia de participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados no local de trabalho. Nessas circunstâncias, o descumprimento dos critérios de igualdade salarial e remuneratória passará a ensejar a aplicação de multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários-mínimos, sem prejuízo das sanções individuais aplicáveis aos casos. Essas sanções de caráter individual são aquelas previstas no artigo 461 da CLT, que, atualmente, foi alterado pela Lei n.º 14.611/2023 para estabelecer em seu parágrafo 6º que, “na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito de ação de indenização por danos morais, consideradas as especificidades do caso concreto”. Bem assim, do novo parágrafo § 7º, incluído pela nova legislação, que passou a estabelecer uma multa de 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, que poderá ser elevada ao dobro, no caso de reincidência, isso sem prejuízo das demais cominações legais, como juros e correção monetária pelo pagamento em atraso. Por fim, por meio da nova Lei, o Poder Executivo Federal comprometeu-se a disponibilizar uma plataforma digital unificada de acesso público que divulgue indicadores periodicamente atualizados sobre mercado de trabalho e renda, detalhados por sexo. Essa plataforma contará, inclusive, com indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior, de serviços de saúde, bem como de outros dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres, ou que possam orientar a elaboração de políticas públicas para a promoção da igualdade entre os sexos. Dessa forma, como vimos, a nova legislação, com foco na transparência, na fiscalização e no reforço de punições, dá um importante passo na busca de novos horizontes na promoção da igualdade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho.  

*Carla Reita Faria Leal e Antônio Raul Veloso de Alencar são membros do Grupo de Pesquisa sobre o Meio Ambiente de Trabalho da UFMT, o GPMAT.

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