Carla Reita Faria Leal
Gabriela Soares Pommot Maia

No final de 2020, o STF proferiu uma decisão emblemática na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 58 que impactou o mundo do trabalho, pois definiu que a atualização monetária dos créditos trabalhistas deve ser efetuada pela SELIC, composta de correção monetária e juros. Essa correção, desde 1991, era efetuada pela Taxa Referencial (TR) e era acompanhada de juros de 1% ao mês por força de lei que assim estabelece. Portanto, havia um acréscimo anual de pelo menos 12% sobre o crédito judicializado. Em 2015, o STF julgou duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, nas quais decidiu que a correção monetária dos precatórios (dívidas dos órgãos públicos) deve observar o Índice de Preço ao Consumidor (IPCA – e), , na medida em que a TR não atende a finalidade de recompor o patrimônio da parte lesada enquanto perdura o processo judicial. A partir disso instaurou-se a celeuma sobre qual a correção monetária mais adequada para recompor o patrimônio dos inúmeros trabalhadores que têm seus direitos sonegados ao longo do contrato de trabalho e resta-lhes apenas a via judicial para assegurar o recebimento de seus direitos. Em razão da avalanche de recursos e incidentes em execução discutindo qual o índice apropriado para a recomposição do patrimônio dos trabalhadores, se a TR ou o IPCA-e, o TST decidiu, em consonância com a decisão proferida pelo STF, que o adequado seria TR até 26/03/2015 e IPCA-e a partir dessa data, o que permaneceu sendo aplicado majoritariamente pelo TRTs mesmo após a promulgação da Lei13.467/2017, que previu a TR como índice de correção monetária. Após longo período de debate, o STF, surpreendentemente e alegando manutenção da segurança jurídica, determinou que a SELIC – que nunca esteve no centro da discussão em relação ao processo do trabalho – seria o índice adequado de atualização dos créditos trabalhistas. Mais agravante ainda, realizou uma modulação de efeitos que comporta prejuízos imediatos aos trabalhadores, além de muitas zonas nebulosas que nunca esteve no centro da discussão em relação ao processo do trabalho – seria o índice adequado de atualização dos créditos trabalhistas. Mais agravante ainda, realizou uma modulação de efeitos que comporta prejuízos imediatos aos trabalhadores, além de muitas zonas nebulosas. O STF decidiu que não serão afetados os pagamentos já efetuados e as sentenças transitadas em julgado com índice de correção monetária e juros expressamente definidos, qualquer um deles. De forma que será aplicada a SELIC aos processos que estavam em fase de conhecimento (fase que antecede a execução), com ou sem sentença, e aqueles transitados em julgado sem manifestação expressa quanto ao índice de correção monetária e aos juros de mora. O prejuízo maior para os trabalhadores é a exclusão dos juros de mora de 1% ao mês durante a tramitação do processo judicial – previsto em dispositivo legal que não foi declarado inconstitucional –, vinculando-se a atualização monetária apenas à SELIC que é flutuante e não representa segurança alguma de que a atualização, de fato, restituirá o patrimônio dos trabalhadores lesados. Em 2020, por exemplo, a SELIC apurada foi de 2% e isso significa que a atualização dos créditos trabalhistas será neste percentual em relação a esse ano, excluindo-se assim os 12% ao ano de juros de mora antes aplicáveis. Não bastasse, a modulação de efeitos tratou juros e correção monetária como instituto jurídico único e não comportou as sentenças transitadas em julgado que os tratavam de forma apartada. Isto é, previu apenas e de forma expressa o índice de correção monetária como TR ou IPCA-e ou juros de 1% ao mês. Não é possível concluir de forma clara como esses processos serão afetados: se haverá violação à coisa julgada material ou se calculará a SELIC com juros, havendo risco de bis in idem. Outro ponto obscuro é a ausência de declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos que preveem juros de 1% ao mês desde a distribuição da reclamação trabalhista, mencionados acima. Soma-se a isso que o art. 406 do CC – utilizado como fundamento para equiparar atualização dos créditos judiciais e conferir segurança jurídica – determina incidência da SELIC quando inexiste outra previsão no contrato, ou seja, sua incidência é residual enquanto no processo do trabalho tornou-se regra, muito embora haja previsão na lei de outro índice. Vê-se que essa decisão é mais um capítulo do movimento de precarização das relações de trabalho, sendo a Lei n.º 13.467/2017, que instituiu a reforma trabalhista, um dos marcos desse processo. A consequência nefasta atinge sempre o elo mais fraco da corrente: os trabalhadores. Reduzir bruscamente a atualização dos créditos ao ponto de comportar perda real dos direitos básicos devidos aos trabalhadores, como verbas rescisórias e horas extras (principais pedidos na Justiça do Trabalho), é uma forma de inverter a própria lógica do direito do trabalho, na medida em que premia o empregador que opta pela inadimplência dos direitos dos seus empregados, ou seja, o mau empregador. Assim, espera-se que a decisão seja aclarada em seus pontos obscuros quando do julgamento dos embargos de declaração interpostos. Ademais, que haja a aprovação de uma lei bastante específica que proteja os créditos trabalhistas de forma que estes sejam preservados em seu valor real.
*Carla Reita Faria Leal e Gabriela Soares Pommot Maia são membros do Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.