Carla Reita Faria Leal e Evandro Monezi Benevides

Em 2023, foram registrados no sistema eSocial do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) 2.888 acidentes do trabalho fatais no Brasil. No mesmo período o mencionado sistema contabilizou registros de um total de 499.955 acidentes de trabalho. Isso contando apenas os acidentes do trabalho registrados, pois a maior parte deles sequer consta nas estatísticas oficiais
Os setores da Construção Civil e de Transporte Rodoviário de Cargas e Passageiros são aqueles que mais registram acidentes de Trabalho com mortes e lesões graves no Brasil em 2023, segundo os dados do Ministério de Trabalho e Emprego. Na Construção Civil, os acidentes comumente envolvem queda de altura, soterramento e choque elétrico. Já no setor de Transporte Rodoviário de Cargas e Passageiros, os acidentes, em sua maioria, são motivados pela fadiga dos motoristas, isso em decorrência de excesso de jornada, riscos ergonômicos e psicossociais. Neste ultimo também são registrados a utilização de remédios e drogas estimulantes para aumentar produtividades e ganho financeiro, bem como a falta de manutenção nos caminhões/ônibus e rodovias precárias.
É obrigação das empresas implementar uma gestão eficaz de segurança e saúde, que contemple promoção de uma cultura de prevenção, avaliações regulares de riscos, manutenção organizada do local de trabalho, capacitação dos trabalhadores e medidas preventivas, conforme a legislação determina a Norma Regulamentadora 01 (NR 01). Essa gestão eficiente dos riscos ambientais laborais deve incluir a eliminação de fatores de risco, a adoção de proteções coletivas e individuais e a disponibilização de canais de comunicação, para que os trabalhadores relatem condições inseguras, prevenindo os acidentes.
Entretanto, infelizmente, isso nem sempre acontece, o que resulta na manutenção de números altíssimos de acidentes do trabalho e de mortes. Quando o infortúnio acontece, surge o dever da empresa de indenizar o acidentado e sua família, conforme decidiu a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no mês de novembro desse ano.
O TST reexaminou um caso de acidente de trabalho ocorrido em 2019, no qual um eletricista de 39 anos, que exercia a função de reparador de linhas e cabos, sofreu um choque elétrico e uma queda de aproximadamente seis metros ao tentar fazer um conserto. Com o rompimento da medula entre duas vértebras, o trabalhador ficou paraplégico, passando a usar sonda e fraldas, com perda total da autonomia e necessidade de submissão a tratamentos e intervenções médicas contínuos.
Além de ser inquestionável o dano sofrido pelo trabalhador, sua esposa, que também compôs o polo ativo da reclamação trabalhista, comprovou que o acidente afetou sensivelmente a sua rotina de vida em todos os aspectos. Segundo ela, a vida da família se transformou “numa constante maratona de esforços físicos, psíquicos e emocionais” porque, a despeito de trabalhar o dia todo como professora, passou a ter de atender a todas as necessidades do companheiro.
A empresa, em sua defesa, alegou a ilegitimidade passiva da esposa, apontando qu e ela não poderia permanecer como autora no processo juntamente com seu marido, por não possuir nenhuma relação jurídica com ela. Os argumentos da empresa não foram acolhidos pelo juízo sentenciante e nem pelos tribunais revisores.
Isso se deu porque a esposa do trabalhador também foi vítima indireta do acidente. Trata-se do chamado dano moral reflexo ou em ricochete, segundo o qual o dano causado a terceiro atinge a personalidade de outras pessoas, de forma a justificar a sua reparação pela ofensa aos direitos delas. Esse dano tem a característica de ser autônomo e independente da ofensa direta cometida contra a vítima principal, pois adentra na esfera dos direitos fundamentais daquele que se encontra no núcleo familiar íntimo do ofendido.
No caso, a indenização anteriormente foi fixada em R$ 100 mil para o eletricista e R$ 50 mil para sua esposa. Porém, o TST reputou necessário majorar os valores, haja vista o grave dano causado à integridade física do trabalhador, à sua personalidade e à sua dignidade, bem como em razão do grave impacto que o acidente causou na rotina familiar. Assim, o Tribunal fixou R$ 400 mil para o eletricista e R$ 150 mil para a esposa.
Fica clara a necessidade de o Governo, as empresas e a sociedade tomarem iniciativas para a melhora nesse quadro catastrófico, pois, além de impactar de forma trágica as famílias, os acidentes de trabalho impactam também a sociedade, já que ceifam vidas ou deixam pessoas com deficiência em plena idade produtiva, cabendo à Previdência Social, ou seja, a todos nós que para ela contribuímos, arcar com os custos da manutenção do trabalhador acidentado ou sua família.
Carla Reita Faria Leal e Evandro Monezi Benevides são membros do grupo de pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT