Carla Reita Faria Leal e Lécia Nidia Ferreira

A reforma trabalhista instituída pela Lei n.º 13.647/2017 promoveu profundas modificações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dentre elas está a atribuição de critérios, no art. 223-G, § 1º, incisos I, II, III e IV, para a fixação da indenização por danos extrapatrimoniais segundo o grau de intensidade do dano sofrido e, tomando como valor-referência de piso e de teto, o salário contratual do trabalhador ofendido. Para ter uma dimensão do impacto dessa norma, toma-se como exemplo o rompimento da barragem em Brumadinho/MG, considerado o maior acidente de trabalho do Brasil. Conforme ilustrado pelo Conselho Federal da OAB, nos autos da ADI 6.082 (p. 11-12), o valor dos danos extrapatrimoniais devidos às famílias dos trabalhadores, nos exatos termos da redação dada pela Lei n.º 13.467/2017, ficaria limitado a cinquenta vezes os salários dos empregados mortos. Assim, a indenização por danos extrapatrimoniais devida aos familiares de um trabalhador falecido, cujo salário contratual à época fosse de R$1.000,00 (mil reais), não poderia ultrapassar o valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Doutra banda, os familiares de um executivo vitimado pelo acidente cujo salário contratual fosse de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), segundo a norma em análise, poderia atingir o montante de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). Em ambos os casos, na fixação do montante indenizatório, não seriam considerados a capacidade econômica, a gravidade do fato e do grau de culpa ou dolo do ofensor, fato que minimiza a finalidade pedagógica da compensação e não contribui para a redução dos riscos inerentes ao trabalho. Essa tarifação legal, de caráter prévio e abstrato, teve sua constitucionalidade questionada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, pelo Conselho Federal da OAB e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, fundamentado, dentre outros argumentos, na violação dos princípios da isonomia, da reparação integral do dano, da proteção do trabalho, do retrocesso social e do livre convencimento do magistrado. Em decisão exarada no julgamento conjunto das ADIs 6069, 6050, 6082, em Plenário Virtual, no dia 23 de junho deste ano, os ministros do Supremo Tribunal Federal, apesar de não terem pronunciado a inconstitucionalidade do dispositivo legal questionado, conferiram ao artigo 223-G, § 1º, da CLT interpretação conforme a Constituição. Assim, os ministros do Supremo formaram maioria para declarar que os critérios de quantificação de reparação por danos extrapatrimoniais, fixados no referido artigo, devem ser apenas orientativos e não taxativos, sendo, portanto, constitucional e possível a superação dos limites máximos impostos pela reforma trabalhista no que tange ao tabelamento dos valores indenizatórios “quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade” (STF, Voto conjunto ADI 5.870, 6.050. 6.069 e 6.082, p. 39). Nesse viés, o ministro Gilmar Mendes, no voto condutor, asseverou que o artigo art. 223-G, § 1º, da CLT apenas traça métodos que ajudam a estabelecer e quantificar o dano extrapatrimonial, mas não excluem a discricionariedade de quantificação do dano pelo magistrado. O relator pontuou, ainda, que o valor-referência do salário não pode ser utilizado como teto indenizatório, “sendo possível que o magistrado, diante das especificidades da situação concreta eventualmente, de forma fundamentada, ultrapasse os limites quantitativos previstos nos incisos I a IV do § 1º” (STF, Voto conjunto ADI 5.870, 6.050. 6.069 e 6.082, p. 39). Vale destacar que, por se tratar de ação de controle concentrado de constitucionalidade, a fundamentação da decisão tem efeito vinculante e restabelece, para as decisões trabalhistas, a ordem constitucional no que se refere à fixação da indenização por dano extrapatrimonial. Deste modo, esperamos que isso ocorra também para os outros inúmeros pontos da reforma trabalhista que foram questionados perante o Supremo Tribunal Federal, por igualmente terem violado princípios constitucionais.
*Carla Reita Faria Leal e Lécia Nidia Ferreira Taques são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.