Carla Reita Leal e Antonio Raul Veloso de Alencar

No último dia 30 de junho, houve importante julgado prolatado pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 5322, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT), questionando diversos dispositivos da Lei n.º 13.103/2015, conhecida como a Lei dos Caminhoneiros. A norma regulamentou o exercício da profissão de motorista nas atividades de transporte rodoviário de cargas e de passageiros; entre outros pontos, reduziu horários para descanso e alimentação em relação aos demais trabalhadores e passou a exigir a realização de exames toxicológicos. Ao questionar diversos dispositivos da norma, a Confederação argumentou que, ao fracionar e reduzir o período de descanso, a norma potencializaria os riscos de acidentes de trabalho, bem como transferiria ao trabalhador os riscos da atividade econômica, separando o tempo de espera para carga e descarga despendido pelo trabalhador de sua efetiva jornada de trabalho. Os principais argumentos da Confederação foram que a norma questionada estabeleceu um viés meramente econômico e usurpou direitos sociais debatidos com os trabalhadores e consolidados na legislação anterior (Lei n.º 12.619/2012), representando um retrocesso de direitos sociais de uma categoria tão importante para sociedade, como se viu durante a pandemia da COVID-19.Argumentou-se ainda que o Brasil é um dos países recordistas de mortes em acidentes de trânsito (conforme dados da Organização Mundial da Saúde), de forma que não é factível permitir que sindicatos de trabalhadores e patronais flexibilizem, por meio de acordos coletivos, as normas de segurança e medicina do trabalho, pois os resultados dessas flexibilizações ultrapassam a relação de trabalho, vitimando, em acidentes de trânsito, pessoas que dela não fazem parte.O tema é sensível porque envolve segurança das estradas, a vida e a segurança dos trabalhadores, além da proteção dos transeuntes, tendo um impacto significativo em diferentes atividades econômicas, por ser o principal modal de transportes no Brasil. Assim, analisando os diversos argumentos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais 11 pontos da Lei dos Caminhoneiros (Lei n.º 13.103/2015), referentes a jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal; contudo, validaram-se outros pontos da lei, como a exigência de exame toxicológico dos motoristas profissionais. A decisão, proferida por maioria, foi tomada de acordo com o voto do Ministro Relator, Alexandre de Moraes, que considerou inconstitucionais os dispositivos que admitem a redução do período mínimo de descanso, mediante seu fracionamento, e sua coincidência com os períodos de parada obrigatória do veículo estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Entendeu o Ministro que o descanso entre jornadas diárias, além do aspecto da recuperação física, reflete diretamente na segurança rodoviária, na medida em que permite ao motorista manter seu nível de concentração e cognição durante a condução do veículo. Também foram declarados inconstitucionais outros dispositivos que tratavam do descanso entre jornadas e entre viagens, bem como o fracionamento e acúmulo do descanso semanal, por falta de amparo constitucional. Para o Ministro Relator, “o descanso tem relação direta com a saúde do trabalhador, constituindo parte de direito social indisponível”. Dessa forma, ficaram excluídos da jornada os intervalos para refeição, repouso e descanso; deixou de ser possível o repouso dos motoristas com o veículo em movimento, mesmo que dois motoristas revezem a direção durante a viagem; o intervalo entre jornada foi fixado em 11 horas ininterruptas dentro de 24 horas de trabalho, ficando proibido o fracionamento e a coincidência do descanso com a parada obrigatória na condução do veículo; e estabeleceu-se que o motorista deverá usufruir do descanso semanal (35 horas) a cada 6 dias, não sendo possível acumular descansos no retorno à residência. Sobre a necessidade de que o descanso dos motoristas se dê com o veículo estacionado, apontou o Ministro que “problemas de trepidação do veículo em movimento, buracos nas estradas, ausência de pavimentação nas rodovias, barulho do motor, etc., são algumas das situações que agravariam a tranquilidade que o trabalhador necessitaria para um repouso completo, prejudicando a recuperação do corpo para encarar a próxima jornada laboral”. Logo, é necessário que sejam ofertadas condições reais de descanso e recuperação física e mental a esses trabalhadores. De outro lado, o Plenário também derrubou o ponto da Lei que excluía da jornada de trabalho e do cômputo de horas extras o tempo em que o motorista ficava esperando pela carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria. Para o relator, a inversão de tratamento do instituto do tempo de espera representa uma descaracterização da relação de trabalho, além de causar prejuízo direto ao trabalhador, porque prevê uma forma de prestação de serviço que não é computada na jornada diária normal nem como jornada extraordinária. Estando o motorista à disposição do empregador durante o tempo de espera, a retribuição devida por força do contrato de trabalho não poderia se dar em forma de ‘indenização’, por se tratar de tempo efetivo de serviço. Assim como esse tema, inúmeros outros pontos de alterações legislativas que resultam em prejuízo à saúde e segurança do trabalhador estão aguardando apreciação pelo STF. Esperamos que sejam enfrentados em breve, corrigindo os graves equívocos do legislativo no particular.
*Carla Reita Faria Leal e Antonio Raul Veloso de Alencar são membros do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.