A CLT e a natureza do vínculo entre os religiosos e as igrejas

Carla Reita Leal e Gabriela de Andrade Nogueira

Recentemente o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou lei que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho para incluir dispositivo que estabelece a presunção de que que não há vínculo empregatício entre entidades religiosas ou instituições de ensino vocacional e seus ministros, membros ou quaisquer outros que a eles se equiparam, ou seja, pastores, padres, freiras, rabinos, mestres, pais ou mães de santo e todos aqueles envolvidos para que as atividades religiosas aconteçam. Deixou claro, ainda, que não haverá vínculo de emprego mesmo que o religioso ou religiosa desempenhe, parcial ou integralmente, atividades relacionadas à administração da entidade religiosa, ou, ainda, que esteja em formação. A justificativa para a alteração legislativa em comento é que esse tipo de atividade é baseado na fé, na crença em algo maior ou mesmo na consciência religiosa, em resposta a um chamado de ordem espiritual e supostamente não com o intuito de obter remuneração pelo serviço prestado. Por outro lado, para os defensores da lei, ela evitará inúmeras reclamatórias trabalhistas que são ajuizadas todos os anos por pessoas que exercem ou exerceram funções religiosas, buscando o reconhecimento do vínculo e as verbas trabalhistas daí decorrentes.  Sabemos que a religião, de uma forma em geral, é bastante presente no Brasil, tanto que se trata de país em que a maior parte de sua população declara acreditar em alguma  divindade consoante pesquisa realizada pela Global Religion neste ano. Por outro lado, o país vem presenciando um número crescente de igrejas sendo criadas. Para se ter uma ideia, apenas as igrejas evangélicas abriram, em média, cerca de 17 novos templos por dia no Brasil em 2019, segundo o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP, o que faz com que milhares de pessoas desenvolvam atividades religiosas, estando sujeitas, portanto, ao dispositivo legal aprovado. Entretanto, é importante destacar que a lei aprovada fez uma ressalva muito pertinente, já que dispôs que a presunção da inexistência de vínculo empregatício entre entidades religiosas, membros e outros correlatos não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária das atividades desenvolvidas, o que atrai, consequentemente, o reconhecimento do vínculo do emprego. Assim, se a atividade religiosa não for de ordem eclesiástica e houver a presença dos elementos para a configuração da relação de emprego, ela assim será considerada.    A CLT prevê que empregado é toda pessoa física que prestar serviços de forma não eventual a um empregador, sob a dependência deste último e percebendo salário. Assim, estando presente a pessoalidade, isto é, quando trabalho só pode ser exercido por aquela pessoa específica; a subordinação, que determina que o empregado deve obedecer às ordens que lhe foram repassadas; a não eventualidade, que está presente quando o labor exercido está inserido na atividade desenvolvida pelo empregador; a continuidade, quando o labor se perpetua no tempo; e a onerosidade, que significa que na relação de emprego existe ou deveria existir uma contraprestação monetária, estar-se-á diante de um contrato de trabalho.   Necessário destacar que, muito embora as religiões desempenhem papel positivo na sociedade, é de comum sabença que existem as situações atípicas em que a figura hierárquica que, com o discurso religioso, ludibria pessoas em situações de vulnerabilidade – especialmente emocional – para que se dediquem aos trabalhos religiosos de forma que, por vezes, se enquadram nas características que constituem uma relação de emprego, porém, sem a contraprestação onerosa, ou seja, o salário. Isso abre um leque para a existência de fraude ao contrato de trabalho e, mais, até mesmo a situações de trabalho análogo ao de escravo.  Por outro lado, existem situações em que “igrejas” funcionam como verdadeiras empresas, em que a fé das pessoas é monetizada, sendo os seus religiosos espécie de comerciantes de benesses divinas. Nesses casos, além da reprovação social e legal, havendo os requisitos da relação de emprego, esta da mesma forma deverá ser reconhecida para aqueles que estão à frente de tais atividades.Em resumo, fica claro que a intenção da lei é pacificar as discussões existentes em torno do tema, deixando claro as diferenças existentes entre aqueles que exercem sua vocação religiosa em razão da fé e de forma voluntária, que não possuem vínculo de emprego, daqueles que laboram como empregados em favor de entidades religiosas.  

*Carla Reita Faria Leal e Gabriela de Andrade Nogueira Gonçalves são membros do GPMAT, o Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do Trabalho da UFMT.        

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