Carla Reita Faria Leal e Francielly Rodrigues Costa
Como já mencionamos em ocasiões anteriores neste espaço, o teletrabalho é aquele realizado fora dos estabelecimentos do empregador, geralmente no domicílio do empregado, por meio do uso de tecnologia de informação e telecomunicação. Essa modalidade de trabalho, muito embora já praticada em todo mundo há muito tempo, viu sua prática aumentar exponencialmente nos últimos anos, sobretudo em razão da necessidade de isolamento social resultante da pandemia da COVID-19, tornando-se uma realidade para muitos trabalhadores, inclusive brasileiros
O teletrabalho possui inúmeras vantagens para o empregador, como a economia de despesas com aluguéis, água, luz, transporte do empregado e, em muitas vezes, o aumento da produtividade de seus trabalhadores. De igual modo, há benefícios para o empregado, que deixa de perder tempo com o deslocamento, podendo adequar melhor os seus horários com as suas responsabilidades familiares, sem ter gastos com o deslocamento para o trabalho, com alimentação e vestuário, entre outros. Para ambos, empregado e empregador, também pode ser citada a vantagem de ter sido ampliado o mercado de trabalho, já que é possível contratações em qualquer lugar do país ou mesmo em qualquer lugar do globo.
Entretanto, nem tudo são flores no teletrabalho, já que, em especial para o trabalhador há desvantagens, dentre elas o isolamento social e de seus colegas, o que pode causar doenças mentais e prejuízos na carreira; a dificuldade de agregação dos empregados para a defesa de seus interesses; a dificuldade em separar a vida privada e o trabalho no tocante aos horários e as frequentes violações aos direitos à desconexão e aos intervalos para descanso.
A despeito disso, passados mais de quatro anos da intensificação de sua adoção, o que inicialmente era temporário conquistou a preferência de milhões de trabalhadores, os quais entendem que passaram a ter mais qualidade de vida com a realização do trabalho remotamente e querem assim permanecer, pelos motivos citados, mas principalmente pela possibilidade de equilibrar melhor vida profissional e pessoal. Segundo pesquisa publicada na revista Mit Sloan Management Review Brasil, “67% dos colaboradores brasileiros preferem exercer suas tarefas em casa ou em modelo híbrido, com uma ou duas idas ao escritório por semana”.
No entanto, com o arrefecimento da pandemia e da necessidade do regime remoto houve um crescimento no movimento de retorno à modalidade de trabalho presencial em muitas empresas. No cenário global, grandes corporações multinacionais, como a Amazon, a Dell, a Google, a Disney e o Banco Goldman Sachs, estão voltando ao modelo presencial. Andy Jassy, CEO da Amazon, afirmou que até o ano de 2026 o modelo de trabalho adotado pela empresa será 100% presencial, contrapondo ao momento em que a companhia esvaziou seus escritórios em 2020.
A Dell estabeleceu, em 2023, que os funcionários que moram a menos de uma hora de distância de um escritório da empresa trabalhem presencialmente pelo menos três dias por semana, assim como que os trabalhadores que laboram remotamente em toda a semana não são elegíveis para promoções, não podendo, também, se candidatar para novas funções. Da mesma forma está procedendo a Google, ou seja, exigindo presença em alguns dias por semana.
As empresas que estão assim agindo entendem que trabalhar presente fisicamente facilita o ensinamento e a aprendizagem da equipe, assim como a prática e o fortalecimento da cultura da empresa. Acrescentam que se cria um ambiente com mais facilidade e eficácia em colaborar e inovar, com uma melhor conexão entre equipes.
Na contramão do movimento do mercado global, Katarina Berg, representante do Spotify, em entrevista recente proferiu a seguinte frase: “Os nossos funcionários não são crianças” para frisar que acredita no trabalho exercido de forma remota e confia nos seus colaboradores, fortalecendo a cultura da empresa. Ela defende que, embora a colaboração à distância apresente desafios, isso não é motivo suficiente para obrigar o retorno ao escritório apenas porque se tornou uma tendência mundial.
A despeito de opiniões e condutas contrárias, o movimento de retorno ao trabalho presencial está se espalhando, colocando em risco o emprego de teletrabalhadores que adaptaram suas vidas à modalidade do teletrabalho e hoje não têm interesse ou condições pessoais para o retorno ao trabalho presencial. Ademais, preocupa-se especialmente com relação ao impacto juslaboral no território brasileiro, no qual a legislação sobre o trabalho remoto ainda está em desenvolvimento.
O tema na legislação brasileira foi regulamentado pela reforma trabalhista de 2017, posteriormente atualizado em 2022. Porém, as proteções oferecidas pela legislação são ainda limitadas e deixam lacunas quando confrontadas às rápidas mudanças que estamos presenciando no mercado de trabalho global, já que, muito embora mencione a necessidade de anuência do empregado para a adoção do teletrabalho, para o seu retorno essa anuência é dispensada, prevendo apenas que este deve ser avisado de tal fato no prazo de 15 dias.
Outro ponto crucial é o impacto que essa volta ao presencial pode ter sobre os empregos dos trabalhadores brasileiros que prestam serviços para empresas estrangeiras. Com o avanço da globalização e a alta demanda por profissionais qualificados, muitos brasileiros conquistaram oportunidades de trabalhar remotamente para empresas sediadas em outros países. Agora, com a exigência de retorno físico a escritórios no exterior, muitos correm o risco de perder esses empregos, pois o deslocamento para outro país ou a mudança de regime de trabalho pode ser inviável.
Em resumo, os problemas apontados deixam claro que o regime do teletrabalho requer um marco legal robusto para proteger os direitos dos trabalhadores e garantir um ambiente de trabalho estável e seguro para estes.
*Carla Reita Faria Leal e Francielly Rodrigues Costa são membros do grupo de pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.