A EC 81/2014 E A EXPROPRIAÇÃO DE PRO PRIEDADES RURAIS E URBANAS EM QUE FOI FLAGRADA A EXPLORAÇÃO DETRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO: AVANÇO OU ENGODO?

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO: cenários e perspectivas

Considerações Iniciais:

Apesar de o trabalho escravo ter sido oficialmente abolido do Brasil há mais de 130 (cento e trinta) anos quando da publicação da Lei Áurea sabe-se que a superexploração do ser humano, agora sob a roupagem do trabalho em condições análogas à de escravo, permanece existindo como um problema social de alta complexidade a ser erradicado no território nacional.

Ao ser a última nação independente a abolir a escravidão, tais práticas ainda se encontram enraizadas na realidade brasileira. Tanto é assim que entre 1995 e 2020 mais de 55.000 (cinquenta e cinco mil) pessoas foram resgatadas trabalhando em condições análogas à de escravo no Brasil.

Fica claro que, embora o Brasil tenha se destacado nas últimas décadas na adoção de mecanismos e de políticas públicas visando a erradicação do trabalho escravo contemporâneo, vários impedimentos têm se apresentado para o alcance dessa meta e até mesmo para a manutenção das conquistas efetivadas.

Dentre as medidas adotadas pelo Poder Legislativo brasileiro relacionadas ao combate à prática do trabalho escravo contemporâneo, no presente trabalho refletir-se-á acerca da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 57/1999, que visou dar nova redação ao artigo 243 e ao seu parágrafo único da Constituição Federal, estabelecendo a pena de perdimento da área rural (inicialmente) onde tivesse sido constatada a existência do trabalho escravo contemporâneo.

Após quase vinte anos de tramitação legislativa e de várias idas e vindas, a mencionada proposta de alteração constitucional foi aprovada, tendo a Emenda Constitucional resultante recebido o nº 81/2014, que teve o condão de alterar a redação do art. 243 da Constituição Federal, o qual passou a prever que as propriedades rurais e urbanas do Brasil, que forem flagradas com cultura ilegal de planta psicotrópica e com “exploração de trabalho escravo na forma de lei” serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e ao programa de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário (parte do PL 432/2013).

A partir disso, surge a questão central objeto da presente pesquisa: seria a nova previsão constitucional de eficácia plena, contida ou limitada?

Em outras palavras, a partir do advento da EC nº 81/2014 e consequente alteração do art. 243 da CRFB, poderiam desde então ocorrer as expropriações de terras urbanas e rurais onde forem flagrados trabalhadores em situações análogas à de escravo ou dependeriam estas de regulamentação infraconstitucional específica? Quais seriam os demais obstáculos para a aplicação em concreto desta nova norma constitucional?

Apesar de reconhecidamente interessante o debate acerca do direito à propriedade ser considerado por alguns estudiosos absoluto, não será objeto do presente trabalho a discussão normalmente suscitada pelos que se posicionam contrariamente ao teor da EC nº 81/2014 ao argumento de que houve uma indevida relativização do direito constitucional à propriedade. Entende-se superada esta questão a partir da mudança da redação do art. 243 da CRFB.

Sendo assim, na primeira parte do trabalho, será delineado o conceito trabalho escravo contemporâneo no Brasil à luz do art. 149 do Código Penal. Ainda, nesta primeira parte, apresentar-se-á o contexto histórico das medidas legislativas que resultaram no relativamente recente novo texto do art. 243 da Constituição da República.

Em um segundo momento, será suscitado o debate acerca da natureza jurídica da penalidade de expropriação de terras nos casos em que houver flagrantes de trabalho em condições análogas à de escravo, assim como discutir-se-á a problemática relacionada à eficácia desta nova norma constitucional e consequente aplicação concreta da novidade advinda com a EC nº 81/2014.

Para tanto, utilizaram-se dos métodos de abordagem dedutivo e hipotético-dedutivo e as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica.

Carla Reita Faria Leal
Fernanda Brandão Cançado

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